Um estúdio criativo, uma oficina de gravura e uma associação cultural são os projetos que estão a transformar um pátio escondido na baixa do Porto. Há já um plano estratégico de reabilitação traçado.
Aparentemente é apenas mais um parque de estacionamento nas traseiras de prédios na baixa portuense, com garagens, arrumadores, lojas abandonadas e armazéns fechados. Situado entre um terminal de autocarros e as obras do Mercado do Bolhão, o Pátio do Bolhão está a ser reabilitado por uma comunidade artística, de uma forma orgânica e espontânea. Para lá de um pequeno túnel, onde constam frases como “onde caibam corpos, cabem sonhos”, há interesses comuns, iniciativas marcadas no calendário e muitas ideias por concretizar.
Studium – Creative studio & gallery
Pátio do Bolhão, nº131Depois de seis anos instalado no Centro Empresarial Lionesa, em Leça do Balio, o Studium – creative studio & gallery foi o primeiro inquilino a ocupar o pátio em novembro de 2015. O projeto nasceu em 2002 pela vontade de Sérgio Magalhães em aplicar uma forma diferente de olhar a arquitetura, a sua área de formação, e o design de comunicação, apostando na interdisciplinaridade. O Studium é uma agência de gestão de marcas, uma produtora, um estúdio criativo de arquitetura, design gráfico, web design e design de produto e, desde o final do ano passado, uma galeria que expõe alguns dos trabalhos desenvolvidos dentro de portas.
Quando chegou ao Pátio do Bolhão, que como toda a gente pensavam que só existia para estacionar o carro, Sérgio recorda as primeiras impressões. “Encontrámos um espaço completamente degradado com muita sujidade, social, material, física e visual.Sentimos que faltava um olhar mais atento para esta zona, afinal estamos nas traseiras de tudo”, revela em entrevista ao Observador.
Com uma equipa fixa de 12 pessoas, o Studium ocupa uma antiga garagem, partilhando o prédio com os escritórios de recursos humanos e contabilidade da Câmara Municipal do Porto e tendo na porta ao lado um armazém camarário. “No início fomos olhados com alguma estranheza e desconfiança, mas depois os donos das garagens e os arrumadores perceberam que viemos por bem e hoje a convivência é boa, há até uma amizade.” Ao identificar o potencial deste lugar, a intenção do diretor criativo passa por transformar o Pátio do Bolhão num polo dinamizador através de uma comunidade artística envolvente, colocando-o no mapa da cidade. “Este é um terreno fértil onde podem nascer coisas novas e interessantes.”
Juntamente com Catarina Rodrigues, diretora de arte do Studium, Sérgio fez um levantamento exaustivo do Pátio do Bolhão e em abril apresentou um plano estratégico para desenvolver uma “reabilitação séria deste território”. “No relatório identificamos os nossos vizinhos, os locais onde podemos intervir, de que forma o podemos fazer, com quem podemos colaborar numa perspetiva social, económica ou cultural. Existe um interesse generalizado no pátio e o nosso objetivo é a manutenção deste lugar”, explica Catarina Rodrigues ao Observador.
Recuperar o antigo posto de abastecimento com neons e convertê-lo num quiosque, desenvolver uma instalação artística com o programa de eventos agendados no pátio num lugar de garagem ou aproveitar muros e entradas para intervenções de arte urbana são algumas iniciativas sugeridas pelo coletivo artístico. “Queremos dar sinais à câmara que o potencial está instalado e não precisamos do Mercado do Bolhão aberto. Quando esse epicentro surgir podemos estar estáveis e ativos como um pátio de pessoas para pessoas com interesses compatíveis.”
A ideia é que este seja uma espécie de quarteirão das artes como acontece em Miguel Bombarda? “Sim, mais aplicado de uma forma menos monotemática”, sublinha Sérgio Magalhães. Se durante dois anos foram os “únicos inquilinos reabilitadores”, hoje convivem com mais dois projetos artísticos. No entanto, Sérgio garante que “não há concorrência”, mas sim “muita vontade de trabalhar em conjunto”.
Rampa
Pátio do Bolhão, nº125Em 2018, artistas e críticos com percursos internacionais, mas com raízes no Porto, juntaram-se para criar a associação cultural Rampa, ocupando um antigo armazém no número 125 do Pátio do Bolhão, cuja rampa serviu de mote para batizar o projeto independente. “A intenção foi formar um grupo com competências complementares e redes alargadas nas áreas da arquitetura, do design, das artes visuais, da performance e da escrita”, explica em entrevista ao Observador Nuno de Campos, um dos 10 membros fundadores, acrescentando que o objetivo passa por unir artistas da cidade e internacionais, promovendo colaborações e parcerias. Alexandra Balona, crítica de dança e performance, também é uma das responsáveis pelo espaço cultural que, segundo ela, dá visibilidade a grupos de artistas e a correntes de pensamento que “são menos representados em contextos institucionais”. “O facto de todos os membros terem atividades e experiências profissionais internacionais em contextos diversos, permite-nos explorar temáticas como a igualdade de género ou questões raciais que não são tão facilmente abordadas em espaço comerciais.”
O Rampa abriu portas este mês com a exposição “Lost Lover”, patente até ao dia 16 de junho. A mostra reúne 12 vídeos de artistas de origem africana, como Athi-Patra Ruga, Dan Halter, Ghada Amer & Reza Farkhondeh, Jonah Sack ou Lunga Ntila e conta com a curadoria da surf-africana Lara Koseff. Nela vai poder ver-se pela primeira vez no Porto a obra “Illusions Vol. II, Oedipus”, da artista portuguesa Grada Kilomba, que acaba de lançar o livro “Memórias da Plantação”, também disponível no espaço.
A 22 de junho está já programado um screening promovido pela associação Protocinema, de Istambul, comissariado por Mari Spirito, que contará com uma apresentação única de artistas oriundos do Médio Oriente. A iniciativa vai incluir visitas a ateliês de artistas do Porto e tutoriais. “Vamos lançar um open cal ainda esta semana a pedir portfólios que serão selecionados no sentido de integrar o Protocinema no futuro”, explica Nuno de Campos. A programação do Rampa será gratuita, regular e alternativa, uma vez que não se irá centrar “naquilo que é o mainstream da cultural ocidental”. O espaço está pronto para receber exposições de escultura, vídeo, instalação, pequenas performances, conversas, debates, tertúlias ou apresentações de livros. “Temos ainda alguma dificuldade em receber trabalhos de parede porque as paredes estão brutas e irregulares, mas a ideia é que à medida que a programação vá evoluindo o espaço também se vá transformando”, conclui Nuno de Campos.
Mescla
Pátio do Bolhão, nº90Alexandra Rafael é de Coimbra, mas veio estudar Belas Artes para o Porto, mais precisamente desenho e técnicas de impressão. Depois de algumas exposições em nome próprio, foi à boleia de uma residência artística que conheceu Tomás Dias, mestre em gravura com mais de 30 anos de experiência. A vontade de trabalharem juntos nasceu ao mesmo tempo que surgia a necessidade de encontrarem um espaço que tivesse todo o material, uma vez que o seu aluguer “era muito caro”. “Soube que o mestre Humberto Marçal queria vender o material do seu ateliê de gravura em Lisboa decidi comprar”, conta Alexandra em entrevista ao Observador. No Pátio do Bolhão encontrou um antigo arquivo da EDP desocupado e dois meses de obras foram o suficiente para o transformar na Oficina Mescla, aberta desde Março.
“Não sabíamos que isto podia ser mais do que um parque de estacionamento. Fomos muito bem recebidos pelos nossos vizinhos, que tal como nós, querem pôr isto a mexer”, conta Alexandra Rafael, relembrando que já ligou muitas vezes à câmara municipal a pedir limpeza, iluminação e mais segurança no local.
Na Mescla faz-se serigrafia, gravura sobre o metal, litografia, que é gravura sobre pedra, relevo e gravura sobre madeira. Além de um espaço coworking, há uma zona para formações e ainda uma área de aluguer para iniciativas como workshops de construção de cadernos, ilustração ou palestras. “As pessoas podem alugar a oficina, com ou sem materiais e orientação incluídos, fazer encomendas ou aprender, através dos nossos cursos fixos mensais. Vamos ter uma oficina de verão em julho para os mais novos, dos 6 aos 12 anos.”
Alexandra gostava que pelo menos uma vez por mês o Pátio do Bolhão estivesse completamente aberto à comunidade, “para que as pessoas possam ver o que aqui se faz”. Fazer residências artísticas, montar uma loja e trabalhar em conjunto com os projetos vizinhos são algumas das ideias que a Mescla tem na manga para o futuro.